Ter filhos é uma parte fundamental do projeto de vida da maioria dos homens e mulheres. Para muitos, constitui um passo importante para o alcance da maturidade e do desenvolvimento pessoal, além de possibilitar o cumprimento de um importante papel social.
O processo educacional que se inicia no contexto familiar do indivíduo estabelece a certeza sobre a fertilidade de maneira tal que incentiva condutas de evitação da gravidez, principalmente da adolescência em diante, mesmo sem saber se ela pode ocorrer. Desta forma, quando a infertilidade se apresenta, é experienciada como evento traumático não previsto, não pensado, uma vez que a capacidade de procriar é disseminada pela cultura como natural e inerente. A crença de que gerarão filhos, um dia, está presente na maioria das mulheres, dos homens e dos casais contemporâneos, ainda que haja certa insegurança em algum momento. A incapacidade de cumprir com este papel social pode dar origem a dor e uma gama de sentimentos tais como: medo, ansiedade, tristeza, frustração, vergonha, desencadeando, por vezes, quadros de estresse importante. A situação de infertilidade pode provocar efeitos devastadores tanto na esfera individual como conjugal e desestabilizar as relações do sujeito com seu entorno social, podendo ocasionar um decréscimo na qualidade de vida.
A infertilidade é vista como uma enfermidade peculiar, caracterizada tanto pela sua invisibilidade quanto pela possibilidade de não produzir mal estar físico. A peculiaridade também se expressa no fato de que este quadro se constitui apenas quando existe um desejo que encontra obstáculos para se concretizar. Todavia, uma vez constituído, é capaz de produzir mal estar psíquico e social, pois o desejo prévio à concepção se inscreve em um projeto de vida, em uma historia, em uma linhagem genealógica, determinantes para abrir à criança desejada um espaço físico, social e simbólico. Sendo a reprodução um processo fisiológico, frequentemente é tida como inerente a qualquer alteração ou incapacidade em realizá-la pode gerar impacto capaz de atingir o individuo em suas bases identitárias, pelo sofrimento que causa.
Os problemas da fertilidade não são privilegio deste tempo: estiverem sempre presentes na historia e a fecundidade não perdeu seu status valorativo. A contemporaneidade nos privilegiou com a tecnologia de Reprodução Assistida que, também desvelou a importância do apoio e intervenção psicológica que permite contribuir para o bem estar de quem enfrenta a infertilidade, seu tratamento e suas repercussões.
O papel do psicólogo, dentro dos centros médicos de reprodução, é tratar os sujeitos envolvidos e não enfermidades, escutando seu sofrimento para além de uma dimensão exclusivamente orgânica. A infertilidade nessa perspectiva é ainda mais pungente na busca de um entendimento interdisciplinar, pois estamos tratando de destacar os processos sociais, psicológicos, além dos aspectos biológicos que nela estão envolvidos. Os casais que atravessam uma problemática dessa ordem precisam do olhar do médico, do profissional de saúde mental, do apoio social e de todos os profissionais que estão comprometidos com seu tratamento. Escutar o casal de maneira ampla é considerar que diferentes fatores estão inter-relacionados quando um problema é diagnosticado.
A inserção do psicólogo nestas equipes tem como objetivo promover “…a oportunidade de ampliar o seu nível de maturidade emocional, tornando-os cada vez mais agentes nas suas escolhas, ajudando-os a percorrer o difícil caminho para a razoável lucidez diante do enfrentamento do problema”(TOMAZ, 2001, pág.447).
Assim, o trabalho do psicólogo é:
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Facilitar o enfrentamento dos medos, angustias, fantasmas e mitos, possibilitando o reconhecimento das suas reais possibilidades e os recursos oferecidos pela medicina;
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Minimizar o estresse provocado pelas escolhas a serem feitas, pelas duvidas que vão surgindo nas diversas fases do tratamento;
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Auxiliá-los a lidar de forma menos dolorosa com os desdobramentos da infertilidade;
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Esclarecer, apoiar e analisar as dores manifestas e latentes.
Segundo, MELAMED, o psicólogo deve contribuir com sua escuta e acolhimento ao paciente, abrindo espaço para além da dimensão orgânica, permitindo-lhe dar chance à fecundidade de seus desejos e, assim, por meio de uma tradução simbólica dos sintomas e sinais, estabelecer suas próprias escolhas (2009).
Os atendimentos psicológicos podem auxiliar os indivíduos inférteis a lidar com os medos, angústias e fantasias despertados pela infertilidade, assim como, auxiliar a refletir sobre as decisões que deverão tomar em relação aos tratamentos, proporcionando escuta e apoio. Tendo em vista o caráter estressante dos procedimentos para tratamento da infertilidade, a ansiedade gerada por eles, o intenso desgaste pessoal e conjugal, o importante impacto produzido sobre os planos e projetos futuros, bem como pela freqüência do desencadeamento de quadros depressivos. Para as Sociedades Européia e Americana de Reprodução Humana, os aspectos emocionais envolvidos na infertilidade têm merecido especial atenção, e então recomendam a presença de um profissional de saúde mental nas equipes.
1º Consenso de Psicologia em Reprodução Assistida, 1ed, São Paulo/Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2013; Temas Contemporâneos de Psicologia em Reprodução Assistida, Straube, K.M e Melamed, R.M.M; 1 ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2013
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2006000400011
MELAMED, R.M.; SEGER, L.; BORGES JR., E. e cols. Psicologia e Reprodução Humana Assistida – uma abordagem multidisciplinar. São Paulo: Santos, 2009.
TOMAZ, G.; MOREIRA, S.N.T. Psicologia em Reprodução Humana. Revista Feminina, Vol. 29 n.7, Agosto 2001.
Escrito por Lívia Monseff CRP 06/95246